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O encanto das portas da Andaluzia entre um mergulho em camadas de história

 
Mérida e algumas cidades de Andaluzia, como Sevilha, Cádiz, Nerja, Frigiliana, Málaga e Ronda, todas tão diferentes e, ao mesmo tempo, tão semelhantes. Lugares onde somos constantemente surpreendidos para onde quer que olhemos
 
Crónica | Sofia Cristino*
 
   Desde o chão com pedras irregulares ou azulejos de padrões geométricos e coloridos, às bases das varandas com desenhos de espirais e flores, portas originais com cores vivas ou madeira esculpida e pregos, vasos dispostos em diagonal pelas paredes acima, portas de garagens ou lojas grafitadas, telhados de telhas de barro vermelho ou laranja.
 

   Esbarramos ainda com ruínas, pequenos altares, santos, jardins e pátios secretos, igrejas e catedrais em cada esquina, teatros romanos, casas com pátios interiores a fazerem lembrar os riad de Marrocos, imponentes praças, nomeadamente a Praça de Espanha, em Sevilha, e vários cafés decorados com quadros, mensagens, candeeiros e painéis de azulejos. Tudo é incrivelmente bonito. 

   Num interminável apurar dos sentidos, senti-me a mergulhar em várias camadas históricas em simultâneo. Cidades onde cada edifício nos recorda as nossas origens judias, islâmicas, árabes, cristãs: somos todas. E é essa a nossa riqueza que, infelizmente, ainda muitos não conseguem ver.


   Sítios onde a confusão de algumas ruas, repletas de turistas a admirarem a rica arquitectura ou de locais a partilharem os problemas do dia-a-dia, contrasta com a quietude de outros arruamentos paralelos. Alguns vazios onde se chega a ver ninguém, onde as persianas corridas até baixo e o silêncio denunciam a hora da sesta, onde as cidades param por algumas horas indiferentes à curiosidade de quem as vê pela primeira vez. 

   Por entre as ruas silenciosas, o som de um piano vindo de uma casa ou a música techno que chegava de uma cave onde alguns jovens se reuniam surpreendeu-me uma tarde. Afinal, também há vida ali.

   Por entre as ruas estreitas e atalhos, surgem ainda agradáveis surpresas como fontes judias ou árabes de uma beleza arrebatadora, placas a lembrarem figuras importantes que marcaram a cidade, onde simples nomes de ruas, como «Vida», «Aurora» e «El Silencio» também nos levam à reflexão constante.

   E colunas e arcos com elementos islâmicos e cristãos numa mescla encantadora recordaram-me o que devia ser o mundo: União e não separação. Senti-me constantemente estimulada e acordada, algo difícil nos dias que correm.


   Os teatros romanos, bem conservados em quase todas onde os vi, ensinam-nos que, volvidos milhares de anos, ainda permanece a hierarquia nos lugares, hoje com bilhetes de diferentes valores ou zonas vip. Evoluímos, mas sempre devagar. No teatro de Mérida, li que o Imperador Augusto promoveu a representação de peças de teatro gregas, embora poucos romanos compreendessem essa língua. Razão pela qual Ovídio escreveu: «Ao teatro vai-se para ver e ser visto, pouco importam os versos que se estão a representar!».

   Às vezes é um bocado como na vida de quem só quer aparecer (e ser visto) e de quem só quer ver, não importa se percebe. Pessoas menos informadas interessam a muita gente, não só na política, mas no mundo empresarial, entre outros.

   Cabe-nos a nós lutar contra isso e continuar a provocar a mudança que demora gerações e milhares e milhares de anos. Mas também faz parte da história acontecer.

*Jornalista

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